O lugar onde o calendário muda

     "Existe uma linha que corta o globo de polo a polo, onde a data dá um salto de um dia. Imagine que você resolva fazer uma viagem diferente no fim do ano: uma travessia pelo oceano Pacífico, a bordo de um transatlântico. Uma noite, no final do jantar, o navio em mar aberto, o comandante anuncia: Atenção, senhoras e senhores! Vamos brindar o Ano-Novo! 

     É exatamente meia-noite de 30 de dezembro. Como é possível pular o dia 31? Os passageiros ficam intrigados. O que existe de diferente nesse pedaço do mundo? É como se ali, num ponto qualquer, perdido em pleno mar, o tempo de repente sofresse uma descontinuidade, fazendo o calendário pular de 30 de dezembro para 1 o de janeiro. O mais estranho de tudo é que a hora continua a mesma: meia-noite. Você saberia resolver esse enigma? 

    É que, exatamente à meia-noite de 30 de dezembro, o navio cruzava a Linha Internacional de Data. Essa linha corta o globo terrestre do polo norte ao polo sul, seguindo mais ou menos o meridiano de 180, do lado oposto ao meridiano de Greenwich, na Inglaterra. A partir de Greenwich são acertados os relógios de todo o mundo, pelos fusos horários. A leste dele, adianta-se uma hora, a cada 15 graus. 

    Só que, quando se chega à Linha Internacional de Data, não é o relógio que muda, e sim a folhinha: a leste da linha, voltamos 24 horas no tempo. Ou seja, quem atravessa essa linha de oeste para leste volta para ontem. Sabe por quê? Para acertar o calendário. 

     Veja a seguir o problema que teríamos, por exemplo, se apenas contássemos as horas, a cada fuso horário. 

     Suponha que é meia-noite do dia 30 de dezembro e você está em São Paulo (desconsidere o horário de verão). Se ligar para outra cidade, mais a leste, digamos a Cidade do Cabo, na África do Sul, vai ver que lá serão 4 horas da manhã do dia 31 de dezembro, porque a cidade fica cinco fusos horários a leste. Quanto mais a leste mais tarde será. No Japão já será meio-dia, e, no Havaí, 6 horas da tarde. Da mesma forma, no Peru seriam 23 horas, também do último dia do ano. Assim, se completasse a volta ao mundo, você chegaria à conclusão de que seu vizinho de oeste já estaria vivendo a meia-noite do dia 31, mas você ainda estaria no dia 30. 

     Para assinalar uma única data, é preciso fazer um acerto em algum ponto. Então, por convenção, diminui-se um dia quando se passa pela Linha Internacional de Data, de oeste para leste. Para evitar problemas no dia a dia das pessoas, a Linha Internacional de Data não segue exatamente o meridiano de 180. Ela faz algumas curvas, desviando-se de ilhas e regiões em terra firme onde possam existir comunidades. 

     Veja um exemplo da confusão que reinaria numa cidade cortada pela Linha Internacional de Data. No caso de inflação alta, o cliente de um banco poderia ganhar um bom dinheiro apenas atravessando a rua. Bastaria fazer um depósito na agência bancária do lado leste da cidade e retirar imediatamente o dinheiro em outra agência, do lado oeste. Ele lucraria os juros de um dia em poucos minutos. E mais: os compromissos teriam de ser marcados levando em conta o lado da cidade onde cada pessoa mora. Ou seja, todos teriam de manipular duas agendas"

DAMINELI NETO, Augusto. O lugar onde o calendário muda. Superinteressante, São Paulo: Abril, v. 11, 10 nov 1995. p.82-84.